Com voto da relatora, Ministra Rosa Weber, acompanhado pelos outros nove ministros, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento da ADI 5692, dia 12 de novembro último, que conselheiros de tribunais de contas de todo o Brasil só podem ser reeleitos para a Mesa Diretora, para o mesmo cargo, uma única vez. Essa decisão consagra a posição do Comodoro do Iate e conselheiro aposentado do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, José Moraes, que, sozinho, a vinha postulando na Justiça há vários anos. O Jornal GOLFINHO, diante da repercussão do caso, ouviu o Comodoro José Moraes, que explicou todo o andamento cronológico desse assunto.
Até a promulgação da Lei Complementar nº 152, em 3 de dezembro de 2015, a aposentadoria compulsória por idade dos membros dos Tribunais de Contas se dava aos 70 (setenta) anos de idade. Neste cenário, diante da expectativa de que o seu Presidente à época seria aposentado compulsoriamente em 2016, os Conselheiros do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro decidiram e votaram, por unanimidade, para alterar o regimento interno do órgão para impedir reeleições sucessivas para os cargos da Mesa Diretora. A Deliberação TCMRJ nº 200, de 1º de julho de 2014, determinava que o Presidente, o Vice-Presidente e o Corregedor seriam eleitos, sucessivamente, dentre os Conselheiros mais antigos no cargo, na ordem decrescente de antiguidade, além de exigir a aprovação unânime dos conselheiros que se encontrassem no efetivo exercício do cargo para novas alterações no regimento interno.
No entanto, uma vez postergada a aposentadoria compulsória, em 29 de setembro de 2016, o então Presidente foi novamente reeleito para o cargo que ocupava ininterruptamente desde 2001, ignorando aquela disposição regimental que previa a alternância de poder obrigatória nos cargos da Mesa Diretora. O único conselheiro que continuou achando, de acordo com a legislação em vigor, que teria que haver alternância de poder em toda a área pública, foi o então Conselheiro José Moraes.
Na ocasião, esse Conselheiro consignou que a nova recondução vulnerava, além de norma interna do próprio tribunal, o princípio constitucional da alternância de poder, intrínseco à própria noção de Estado Democrático de Direito. Em resposta, em 11 de outubro de 2016, sem respeitar o quórum exigido à época, os demais conselheiros revogaram a Deliberação TCM-RJ nº 200/2014, com base em equivocado parecer da Secretaria de Assuntos Jurídicos, que apontava a existência de vícios flagrantes de legalidade em seu texto.
Na eleição seguinte, ocorrida em 4 de dezembro de 2018, José Moraes suscitou questão de ordem no sentido de que o texto “facultada a reeleição”, constante do artigo
21, caput, do regimento interno, fosse interpretado restritivamente, de maneira que reeleições sucessivas não fossem permitidas. Apontou que a Procuradoria-Geral da República, em abril de 2017, havia proposto a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.692, com o objetivo de impedir que Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Ceará se reelegessem para o mesmo cargo na direção, bem como que permaneçam integrando a Mesa Diretora por tempo ilimitado, alternando-se entre os cargos ocupados, pois isto feriria os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade administrativas. Ainda assim, os demais conselheiros rejeitaram a questão
de ordem suscitada, por entenderem que o artigo 21 do regimento interno não impediria a reeleição de membros para os cargos de direção do Tribunal e novamente reelegeram os membros integrantes da Mesa Diretora.
Inacreditavelmente, na eleição seguinte, realizada em 2 de dezembro de 2020, mesmo tendo sido ajuizada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 593, pela Procuradoria-Geral da República, no Supremo Tribunal Federal, questionando as normas que dispõem sobre critérios de eleição, prazo de duração do mandato dos cargos de presidente e vice-presidente do TCM-RJ, além de outros assuntos afetos à corte de contas, novamente o Presidente foi reeleito.
José Moraes ainda chegou a requerer urgência na apreciação do caso à relatora, Ministra Rosa Weber, mas, mesmo assim, o processo não foi pautado. Impetrou também
mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na tentativa de impedir a décima reeleição consecutiva do ex-Presidente. Não obstante, ambos relatores não apreciaram a questão naquela ocasião.
Agora, em julgamento iniciado no dia 5 e encerrado no dia 12 de novembro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.692, estendeu aos Tribunais de Contas o entendimento alcançado quando da apreciação das reeleições sucessivas para a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa (ADI 6.684), assentando a imprescindibilidade de observância do critério objetivo de uma única reeleição/recondução sucessiva para o mesmo cargo, ou seja: de agora em diante, como o então Conselheiro José Moraes defendia, as Mesas Diretoras dos Tribunais de Contas de todo o Brasil só podem ser reeleitas apenas uma vez, mostrando, com essa decisão, que a alternância de poder deve ser cumprida sempre pelos Tribunais de Contas.
A ministra relatora explicou, ainda, que o ideal republicano invoca um universo valorativo e um complexo de ideias oponíveis a qualquer ensaio de instauração de regimes governamentais de caráter pessoal ou autoritário, especialmente quando o exercício abusivo do Poder revelar o objetivo de promover a apropriação das instituições públicas em favor de interesses privados. Asseverou, ainda, que a coisa pública deve ser administrada em benefício de toda a coletividade, no que é “vedada a personificação das instituições públicas na figura de grupos ou indivíduos e a perpetuação da mesma pessoa ou de um grupo determinado no exercício do Poder”.
A decisão do Supremo Tribunal Federal pacifica a questão e atesta, inequivocamente, que José Moraes estava totalmente ao lado da legislação e do bom senso e que era uma vergonha o que vinha acontecendo com o então Presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio, Conselheiro Thiers Montebello, quando tentava dar outra interpretação à questão.